domingo, 15 de setembro de 2013

O dia seguinte


A próxima edição do julgamento do mensalão vai merecer um lugar de destaque em audiência, comparado a episódios de grandes filmes e novelas  produzidos em série. 

O encerramento ou a continuidade da Ação Penal 470, em que José Dirceu– condenado a 10 anos e 10 meses de prisão pelo “domínio do fato”, e outros réus que experimentam dias de angustia e tensão, será decidido pelo voto do ministro Celso de Melo. A continuidade do processo só se concretizará se o voto for favorável a permitir os embargos infringentes pelos advogados de defesa dos réus. Para quem achava que iria tudo “acabar em pizza’, as sentenças de prisão seja em regime fechado ou semiaberto é um duro golpe, irreversível, caindo por terra a impunidade dos envolvidos.
A experiência e a serenidade do decano da Casa, já levou o ministro Celso de Mello, a intervir no auge do bate-boca entre os ministros Lewandowski e Joaquim Barbosa que reagiu
com indignação ao que classificou de tentativa de “chicana”, na fase dos embargos declaratórios, para propor – sendo atendido – que a sessão fosse suspensa para a retomada da discussão, em termos mais amenos, na semana seguinte. Ele saiu em defesa de Lewandowski e afirmou que o voto divergente precisa ser respeitado pelos demais. “Ninguém tem o poder de cercear a livre manifestação dos ministros que integram o STF.”     
Embora havendo se manifestado anteriormente a favor dos embargos infringentes, foi "autor de um dos votos mais duros contra os réus do mensalão: o decano do Supremo Tribunal afirmou que o ex-ministro José Dirceu foi incapaz de exercer a política com honestidade, integridade e em prol do interesse público. Ao contrário, valeu-se da política para cometer crimes e, com isso, obter vantagens indevidas e controlar indevidamente o Estado brasileiro".
Se o STF por seu lado demonstrou persistência e seriedade no maior julgamento político da Historia (afora o temperamento intempestivo e impróprio do ministro Joaquim Barbosa), o dia seguinte para a opinião publica indica que o movimento da população, de maneira ordenada, não deve deixar as ruas.    


O Estadão publica neste domingo a matéria:

Supremo: entre o ‘palanque’ e a ‘prestação de contas’
Daniel Bramatti, do Jornal Estado de São Paulo, 15/9/2013

Advogados e professores avaliam o debate na Corte sobre a influência da opinião pública no processo do mensalão



Nunca ficou tão evidente a preocupação dos ministros do Supremo Tribunal Federal com a opinião pública quanto na mais recente das cinco dezenas de sessões de julgamento do mensalão. Bastante discutida nos bastidores, a questão veio à tona diante das câmeras de televisão graças a um debate entre os ministros Marco Aurélio Mello e Luís Roberto Barroso. De um lado, Marco Aurélio, contrário a um novo julgamento para parte dos condenados no mensalão e preocupado com a repercussão das decisões do tribunal. De outro, Barroso, favorável a uma nova análise dos crimes e dizendo-se alheio à voz das ruas.
Na quarta-feira que vem,o voto final sobre a possibilidade de aceitação dos embargos infringentes– cabíveis, segundo o regimento do Supremo,nos casos de condenação com placar apertado,mas não previstos mais na legislação brasileira desde 1990–será dado pelo mais antigo ministro da Corte,Celso de Mello.O pano de fundo sobre o debate de quinta é justamente a pressão que recai sobre o decano:desempatar a votação sobre os embargos infringentes, que estáem cinco a cinco. Celso de Mello já indicou que é favorável ao recurso, que pode beneficiar condenados como o ex-ministro José Dirceu. 
Para especialistas ouvidos pelo Estado, o diálogo de Marco Aurélio com Barroso evidencia que, por mais técnico que seja,o tribunal dá sim ouvidos à opinião pública ao julgar –mas isso está longe de significar que o chamado “clamor das ruas” dite as decisões do colegiado.“
O Poder Judiciário leva em conta a opinião pública, mas num conceito amplo de confiabilidade nas instituições”, diz Marcelo Figueiredo, professor de Direito Constitucional na PUC-SP. “A decisão técnica do tribunal terá impacto na sociedade.Os ministros estão temerosos é de como esse resultado vai ser filtrado para a opinião pública, para que não haja um sentimento de impunidade.”
Segurança. Sobre o risco de uma decisão “política”, o professor ressalta que o tribunal não está a serviço de interesses de partidos. “O Supremo é político. O direito constitucional tem um conteúdo político. Não político-partidário, mas no sentido de traçar políticas de Estado”, diz Figueiredo.“
A opinião pública também entra no caldo de formação da decisão de  qualquer julgador”, afirma o advogado Roberto Delmanto Júnior, que concorda com a posição de Marco Aurélio.O advogado entende que não se trata de ficar refém do público, mas sim de ter o dever diante dele. “Os juízes, como servidores públicos, devem se preocupar com a devida prestação jurisdicional, no que diz respeito ao direito de todos os cidadãos à Justiça.”
No caso específico do mensalão, afirma Delmanto Júnior, “o tribunal deve pensar na população que coloca toda a sua sensação de resguardo da segurança no Poder Judiciário”. Para ele, haverá “uma insegurança jurídica muito grande ”se o STF admitir os embargos infringentes, o que deve levar a decisão final sobre as penas para 2014. 
Para Luiz Flávio Gomes, ex juiz criminal, a manifestação de Marco Aurélio foi equivocada.“Ele cometeu um erro crasso,fez um exercício de populismo penal e parecia político em palanque.”Para Gomes, Barroso estava correto ao afirmar que o Supremo não deve votar “com a multidão”.“Respeitar multidão é argumento político, isso não condiz com um julgamento.”
Flávia Piovesan, professora doutora de Direito Constitucional e Direitos Humanos da PUC SP, também considera inadequada a discussão sobre opinião pública ocorrida na quinta feira.“Se você votou em um deputado, em uma plataforma política,há todo sentido em cobrar dele lealdade. Mas isso nãosepode exigir do Poder Judiciário,que se afirma em outra legitimação, a guarda das leis e da Constituição”, afirma ela.
Por mais que a opinião pública tenha sido levada para o centro do processo, em algo todos os ouvidos pelo Estado concordam:não será esse fator que decidiráo voto de Celso de Mello sobre os embargos infringentes na próxima quarta-feira.“
Nenhuma pressão funcionará com ele, que é um ministro ético e trabalhador”, afirma Luiz Flávio Gomes.

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