Este texto começa a ser escrito ao constatar que
estamos diante de uma força de supressão ordenada pelo Estado para contar as
manifestações populares neste inverno de 2013.
Atos recorrentes de opressão à liberdade de expressão
violam a constituição e afrontam a democracia e expõem a discrepância insana
entre governo e sociedade, o primeiro a serviço de forças políticas e
econômicas que representam 1% da população.
Penso que esta repressão violenta parece oriunda de um
medo estrutural crescente que o governo e quem está por trás dele estão
sentindo. Em algum lugar, já perceberam que a configuração em rede é soberana e
esta se faz uma grande ameaça aos seus mecanismos de manipulação e controle.
Nutro uma convicção de que o fluxo dessa rede
consciente emergente é inexorável e mais cedo ou mais tarde um novo paradigma
integrador vai prevalecer e dissipará essa estrutura dominadora que parece
parasitar o corpo da sociedade e o planeta Terra como um todo.
No que se amplia a consciência da grande rede
planetária da qual somos parte, proporcionalmente emerge e se fortalece o
sentimento de confiança em nossas potencialidades para superar, efetivamente, o
poder mórbido desta pequena elite e determinar novos estilos de vida sadios,
caracterizados por equilíbrio e bem-estar.
O levante popular que está em curso vem revolver uma
paisagem sedimentada na inércia, fruto do processo de amansamento por que passou
o povo brasileiro por séculos.
Estamos nos colocando em movimento e o caminho é longo, bastante longo. Não serão dias, nem meses, mas anos, décadas de trabalho. Que tenhamos este planejamento estratégico de longo prazo para que possamos vislumbrar um processo real de transição cultural e não uma solução paliativa, uma sobrevida ao planeta doente.
A cura biológica, social e humana, que se expressa na
superação da crise aguda de percepção e consciência, não vai acontecer de uma
hora pra outra e será resultado de muito trabalho para lograr unir os esforços
em torno do que nos conecta como humanidade, para além das ideologias. O que é
comum a todos nós, os outros 99% da população?
Onde encontramos a união em meio a tantas bandeiras?
Possivelmente ela estará em torno das virtudes
universais: o que temos de bom, belo, justo e verdadeiro, mesmo que isso não
nos exima de conflitos, pois o que é bom pra um talvez não seja para outro.
Entretanto, para além de toda a poluição mental ideológica que nos fragmenta e fragiliza, encontramos a humanidade em cada um(a), independente do rótulo, do papel, do ofício a que nos dedicamos, e encontramos a ligação de cada humano com a natureza inteira.
Este é o foco que nos fará uma força coesa de alcance mundial.
Entretanto, para além de toda a poluição mental ideológica que nos fragmenta e fragiliza, encontramos a humanidade em cada um(a), independente do rótulo, do papel, do ofício a que nos dedicamos, e encontramos a ligação de cada humano com a natureza inteira.
Este é o foco que nos fará uma força coesa de alcance mundial.
Porém, francamente, temos que reconhecer que não é
assim que grande parte da população compreende a realidade.
Aí habita a complexidade e o porquê de pensar em décadas para lograrmos a transição efetiva, pois o contexto cultural reproduz e reforça em grande medida práticas e valores distanciados e até antagônicos a estas virtudes.
Em certo sentido, o governo espelha a sociedade e a corrupção e autoritarismo que combatemos pode ser identificado na trama das relações do povo, nas famílias, nas empresas, nas escolas, etc.
São muitas décadas, séculos, de distorção de valores e
informações manipuladas, incutidas culturalmente pelos mais variados veículos.
Como então deixamos de ser uma massa partida de
manifestantes movidos por ideologias e permeados pela revolta e nos tornamos um
enorme coletivo de ação eficaz?
Como criar arranjos organizacionais que permitam o surgimento e a sinergia de lideranças e agentes comprometidos na alma com o processo de emancipação da sociedade?
Uma extensa caminhada começa com os primeiros passos e nessa perspectiva de longo prazo precisamos agora encontrar uma linguagem que nos una, nos torne uma multidão bem orientada e consciente do enorme poder de fazer acontecer, atuando com sabedoria e estratégia para dissipar qualquer possibilidade de um governo autoritário e repressor.
O movimento Occupy de 2011 talvez tenha sido o que mais
nos aproximou dessa possibilidade de expressão integradora contínua em uma estratégia
pública, pacífica, com força mobilizadora e assertiva capaz de influenciar a
política, a economia e a comunicação, os eixos sobre os quais se assentam as
estratégias de controle global.
Associo a dispersão do movimento Occupy à constatação
de que a tarefa da transição não se conclui no movimento de ir à rua e
protestar, mas precisa, como sugerido, deflagrar um grandioso processo
educativo que sustente de fato as mudanças no governo.
Pois, afinal, reflitamos. Como seria um novo governo
caso conseguíssemos a emancipação da sociedade hoje? Parece não haver este
desenho que garanta a visão plural de um governo efetivamente popular.
E por isso faz-se ingenuidade pensar em qualquer outra
forma de transição que não pressuponha uma estratégia educativa de largo
alcance nas próximas décadas que capacite as pessoas a viver em comunidade,
dialogar com a diversidade e gerar sustentabilidade.
Fica este convite de olhar de frente para o enorme
desafio de educar e educar-se, que precisa acontecer para que um novo estado de
consciência se eleve e sustente um novo modo de fazer política, economia,
comunicação, de produzir mercadoria e conviver.
Irmos à rua e manifestarmos nossa discordância com o
atual estado das coisas é uma ação legítima e necessária, faz parte do processo
e estejamos motivados a esta tarefa. Mas estejamos cientes que é apenas o
início do trabalho.
Escrevo este texto com o firme propósito de contribuir para o fortalecimento das manifestações e que estas não se caracterizem simplesmente por quantidade de gente e volume de barulho, mas principalmente pela qualidade das relações e pela eficácia das atitudes.
Cabe aqui uma reflexão para que não usemos óculos com
aros cor-de-rosa, tendo assim uma visão ingênua do processo:
Este 1% da população que determina a dinâmica da
sociedade hoje detém muito poder em mãos: armamentos, energia, produção
industrial, mídia, controle do dinheiro.
(Todo este poder advém de cada um de nós, no que
oferecemos nossa força de trabalho e de consumo reforçados por um estado de
inconsciência. Na medida em que despertamos, verificamos que o tamanho desse
poder da elite é diretamente proporcional à ignorância da população e isto gera
convicção de que os obstáculos não são intransponíveis.)
Lamentavelmente, este 1% não está disposto a partilhar
o poder e segue em um fluxo egocêntrico de acumulação de recursos e disputas
existenciais pelo domínio do planeta. Ou seja, pode colocar tudo a perder.
Agora, todo o resto da população também pode colocar
tudo a perder se seguir alimentando a lógica da violência e se dispor a um
movimento bélico de contra-ataque e confrontação.
Seja lá qual for o inimigo que somos levados a criar, o
exercício agora é atuar com o coração, não-violentamente, focando nas virtudes
e encontrando os links que nos façam cocriar as soluções e atrair a oposição
para uma nova configuração sinérgica.
O grande desafio a cada um é acolher a diversidade no
coração e não se colocar como detentor de uma suposta verdade. Em um mundo
complexo, turbulento e em profusão, as verdades são múltiplas e cada ser
carrega consigo um ponto de vista legítimo, por mais que não concordemos com
ele.
Olhemos no olho de quem nos olha e ali podemos encontrar os valores que subjazem para além das ideologias, opiniões, filosofias e moralismos. Por trás do deputado, empresário, soldado, estudante, somos todos humanos, criaturas vivas, transeuntes nestes ciclos efêmeros de vida.
Estamos todos acometidos pela mesma doença social e planetária e esta enfermidade só será curada quando encontrarmos o padrão que nos conecta como humanidade e como seres vivos.
Olhemos no olho de quem nos olha e ali podemos encontrar os valores que subjazem para além das ideologias, opiniões, filosofias e moralismos. Por trás do deputado, empresário, soldado, estudante, somos todos humanos, criaturas vivas, transeuntes nestes ciclos efêmeros de vida.
Estamos todos acometidos pela mesma doença social e planetária e esta enfermidade só será curada quando encontrarmos o padrão que nos conecta como humanidade e como seres vivos.
Acolhendo as individualidades para apreciar os variados
instrumentos que cada um de nós traz para executar a sinfonia, seremos capazes
de celebrar as diferenças e trabalharmos juntos no sentido do amor em
comunidade, comunidade aqui entendida como a grande teia da vida que compõe
nosso corpo cósmico, a Terra.
Que este texto não arrefeça o ímpeto de ação ao expor a complexidade do processo de transição, mas, ao contrário, contribua para que este movimento amplie sua lucidez e faça o que tem que ser feito. Avante!
Rio, 17 de junho de 2013
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